6 de novembro de 2008

Soprados versos...


Do verbo fácil, deuses soltai,
palavras que em rebanho tendes
e que em minha garganta suspendes
todo um discurso num "ai"...

Por ter algo que vos diga,
que nos sobressalte e mova,
brotando do profundo chão
imensos rios, água pródiga,
saindo livre, em torrente nova,
submergindo fel e solidão...

Ó soprado vento, vai,
que a soprada brisa fica!
Que a matéria desta língua,
- a corrente, desta boca não sai,
que o pensamento se não publica,
deixando-me a fala à míngua...

A soprada frase me falta
e o sopro quase sobressalta...
O verso, no vazio da minha mente,
perpassa como nuvem, transparente...

23 de outubro de 2008

Pequeno Mundo


Nestas poucas pequenas páginas
pequeno Mundo se confina;
e entre quatro paredes rígidas
a um pequeno Povo se destina.

Em sua pequenez espartilhadas,
aquém dos horizontes que destroem,
suas vidas seguindo se corroem,
sobrevivendo as almas, enganadas.

Engano e pequenez já se bastaram,
que cerrando as bocas, já as calaram,
para viver de vileza e ilusão.

Sem luz bastante, com altos muros,
em sofrimento, a que estão seguros,
pequeno Povo, grande Solidão.

Língua Presa


Para falar sofre-me a alma,
por calar, me dói o coração;
impopular drama não se filma
- requer recato, ou representação.

Sofridas vidas, vistas no cinema,
seriam do quotidiano lenitivo;
nos distanciando, p'ra termos pena,
e a nossa, saldando falso positivo.

Ofegante, se me aperta o peito;
p'ra fazer cenas me falta o jeito...
e face à estupidez não há genica.

Embargada, a língua se me prende,
por tanta surdez ao grito estridente;
e embotada, o silêncio amplifica.

20 de outubro de 2008

AQUI



Aqui, onde tudo à volta falta;
aqui. Por todos quantos se voltaram
e ficando por aqui, se desdobraram
em visões, construindo horizontes,
quando por aqui - se as viram...

Aqui: onde nada falta à volta;
aqui, os quais tantos e tão vistos foram
quando de aqui se desgarraram
e, aos baldões, embarcando p'las pontes
- quando os de ali rumorejavam...

(Rumores sombrios, daqui e dali,
nos trouxeram fios, em que me feri.
Das sombras malditas, das trevas da cobiça:
dores infinitas, sanguínea liça...)

Quando e aqui, ontem e hoje,
se viram caminhantes
- tão virgens como os de antes,
tão espantados;
aqui chegados,
onde tudo nasce;
e se antes se partiu,
hoje se volta.

Quando aqui nasce o Mundo,
a Vida irrompe;
de uma Natureza atávica
gerando o Bem mais profundo;
aqui brota a Humana Fonte,
aqui é África!

Perguntas E Respostas


Porquê nos traz a voz mais perguntas
do que respostas - por vezes tontas;
e porque é, por vezes, o silêncio
a resposta? Vem... e desmente-o!

Se é de bem viva voz que me respondes
confortos trazes, não tristezas tolas;
teus pensamentos e razão não escondes
e a alma me aqueces e consolas...

A voz que escutas, se me ouves;
a fala que me sai, Amigo meu,
do estrangulador silêncio já fugiu...

A teu portentoso peito ela retorna,
ao ninho que em teus braços se forma,
esperançada... que a canção renoves!

9 de outubro de 2008

Aqui não é.


Aqui não é, amada minha,
"o meu berço de embalar ".

Estas ruas nada me dizem.
Nesta noite, a luz dos postes não se reflecte
em nenhum empedrado molhado.
Não há chuva sobre trilhos de eléctricos;
e aqui ninguém indaga,
sob varandas e janelas,
os sentidos do destino e do fado.

Aqui estou longe, separado;
da minha raiz, minha solidão.
Distante, estou só e apagado
no escuro, mesquinho e vão.


Aqui não é Lisboa.

19 de setembro de 2008

batalha


hoje
vem aí
o sopro divino
da poesia

hoje
evocava os deuses,
as musas
convocava

para a festa,
para a gesta
pela grei

encontrei
numa encosta
uma fresta

na muralha
uma mortalha
por bandeira

uma verdade
bem verdadeira
que a maldade
não tem canseira

invoco as forças
- que venham lestas -
em patas de corças
- que hoje há frestas

nesta parede
que os dias nos compõe
de vileza que fede,
que o destino não dispõe

não dispõem os céus
o que o homem inventa:
torpeza que a todos tenta,
que a todos chama seus

Vinde Forças aos meus braços,
liberte-se a Vida mais pura!

15 de setembro de 2008

Menino


Por caminhos me rastejo,
por encostas vou subindo;
seguindo, sempre seguindo
- alcançar o cume desejo.

Nesse dia a que almejo;
- lá de cima saberei -
do penhasco saltarei,
abrindo asas, sem pejo!

Vem, Amigo, - se voares,
sobre as nuvens, pelos ares,
pelo espaço, eternamente.

Perscrutando o horizonte,
velozes e sem destinos,
leves e fortes, - meninos!

7 de julho de 2008

caçados


Despe o teu corpo
meu olhar predador
que em sonhos me entretém,
em fantasias...

Enquanto assim algo
de invisível, insuspeito,
se passa sob a minha pele,
máscara impassível,

surgem da flexão
da tua cabeça, rodando,
teus olhos - surpresa,
neles se suspendendo
a imaginária caça dos meus:

porque os trazes limpos,
já desnudados.